quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Inícios

No início do ano, sinto-me sempre um tudo ou nada confusa. É que é O PRIMEIRO dia do ano, pelo que parece que é suposto que algo mude quando na verdade o que se passa é que basicamente tudo se mantém na mesma, gerando uma estranha ansiedade, quase pré-menstrual, porque temos, mas temos mesmo, de mudar alguma coisa, ou basicamente estamos a deitar para o lixo uma Nova Oportunidade (mesmo assim, com letra grande) para, desta vez, fazermos bem o que não soubemos fazer ou lixámos ou desaproveitámos nos trinta e tal anos anteriores. O peso desta responsabilidade é terrível e obriga-me a passar a tarde do Primeiro Dia, na ressaca da passagem do ano, o momento simbólico que marca o início de tudo, mas que sabe mais a pretexto para beber uns copos e meter o ano velho na gaveta - excepto que a gaveta teima em não fechar, entulhada de roupas e outras tralhas- a fazer coisas. Não interessa bem o quê, tenho é de fazer alguma coisa. Os especialistas dessa cena chamada mente dizem muitas vezes que, como não queremos arrumar o que está dentro, começamos a mexer no que está fora (muito mais fácil), embora eu, por necessidades filosóficas, goste de pensar que é exactamente ao contrário e que, ao arrumar cá fora (o que dá muito mais trabalho do que eles pensam), estou a arrumar a minha cabeça. Pronto, então tiro coisas das gavetas do quarto, volto a arrumar, troco de sítio, forço-me a deitar roupa fora (sim, tu és capaz), vou à sala e olho para a gaveta dos medicamentos porque um dia terei mesmo de ver o que está fora de prazo (hoje é o dia) e, já na cozinha, contemplo meditativa o armário dos tachos e das panelas porque, dêem-me só mais cinco minutinhos, e já ataco aquela tropa de choque, e depois vou namoriscar com o guarda-roupas, mas parece que ele não quer nada comigo, vou já tratar disso, só mais uns minutos porque me lembrei que tenho algo mais importante para fazer e regresso à sala para ler as lombadas dos livros e tentar compreender quais aqueles que posso generosamente dar, se até sei que aceitam livros nas bibliotecas das prisões, pelo que estaria, quem sabe, a ajudar o Sócrates a matar o tempo, e penso que nunca mais vou ler nada daquilo na vida, mas teimo em não me separar deles, uma teimosia cega, surda e muda, e volto ao quarto, medito sobre as teorias de economia do espaço, que não se aplicam às botas, botins e sapatos, e depois vou até à sala, resignada, e sento-me no sofá a pensar no que estou a fazer e que não me apetece nada ir arrumar os tachos e panelas e sinto aquela angustia pesada alojar-se no peito, porque tenho de fazer alguma coisa, mudar, trocar, aproveitar, iniciar, dê lá por onde der. Então, respiro fundo. Faz o que tens a fazer. Só isso. E tu sabes o que é. Não sabemos todos?

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