terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Uma coisa simples
É verdade que já andámos à porrada. Já trocámos estalos, pontapés e uns puxões de cabelo, só para aquecer ou para não esquecer. Já nos gratificámos uma à outra com nomes pouco simpáticos, como parva, estúpida, mentirosa e outros mimos assim. Já nos roubámos uma à outra, coisas, cenas, cromos, roupas e merdas das quais já nem nos lembramos. Já disputámos objectos, afectos, afirmações. Já dissemos coisas terríveis, és adoptada, atrasada, convencida, uma tonta. Que já fizemos a outra chorar, espernear, bater a porta, a janela e a loiça ali mesmo à mão de semear. Que já nos abraçámos, consolámos, encontrámos vezes sem conta, progredimos, regredimos, fodemos tudo à nossa volta, retomamos de novo, mão na mão. Que prometemos ficar juntas para sempre. Que almoçávamos todas as semanas e era o trabalho, e o outro, e mais a outra que não descose. Que apanhámos bebedeiras e prantos e gritos e fotografias desfocadas e aturámos os namorados uma da outra com enorme paciência, mesmo quando não os suportávamos. Que falámos mal da mãe e do pai, bem da mãe e do pai e que nunca, mas nunca, ficámos mais de meia dúzia de dias sem nos falarmos. Que jogámos ao elástico, à macaca, ao macaquinho do chinês, à apanhada e mais que houvesse, e dançámos até às tantas, se tantas noites houvesse, haveria tanto que contar e descontar e descoser e desfazer para tecer de novo aquela manta enorme que nos cobre às duas nos dias frios do que vai cá dentro e do que fica longe e do que tarda e do que chega. E há sempre o riso, tonto, tanto, muito mais do que um abrigo. O riso, o som, a palavra, o silêncio. E por tudo isso, sinto que é profundamente injusto estares longe. Só isso.
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