quinta-feira, 14 de junho de 2012

Tendências primavera-verão: bora lá aí matar alguém


Parece que agora o que está na moda é mesmo andar a matar tudo o que mexe: mulheres e crianças e cães e gatos estão no top de tendências desta primavera-verão. Os tipos do governo sírio gostam particularmente de bombardear aldeias onde habitam civis, de preferência com crianças pequenas (provavelmente porque assim poupam em armamento), e os ucranianos acharam que era mais positivo para um grande evento como o Campeonato Europeu de Futebol liquidar milhares de animais. Ambos o fizeram por motivos higiénicos: uns porque aqueles seres humanos eram na verdade – ou poderiam vir a ser um dia, quem sabe, e governo prevenido vale por dois ou três - perigosos rebeldes, os outros porque podia haver raiva e outras doenças nos duzentos mil animais atirados para valas comuns e era uma chatice se uns ingleses bêbados depois andassem a dizer que foram atacados por uma matilha de cães em fúria no paraíso ucraniano e ainda por cima ficava feio e um bocado cagado e por isso bora lá, ainda por cima se são bichos, não estamos a violar nenhuma lei  (valeu a este povo a experiência adquirida em anos de regime comunista para tratar com eficácia do problema dos animais e atirá-los ainda a respirar para fossas onde eram enterrados vivos). A comunidade internacional parece cada vez mais apoiar, com a sua inação (que é neste momento é a mais extrema forma de ação, veja-se Passos e o caso Relvas), estas medidas de higiene radical. Prova do salto qualitativo da consciência humana através do tempo: antes, quando um tipo com um bigode ridículo decidia bombardear cidades inteiras para conquistar o mundo, recebia logo o rótulo de ‘mau’. Hoje, o ‘mau’ está fora de moda, é redutor e maniqueísta, não tem em conta os diversos factores que contextualizam uma acção e não leva em ponderação que muitas vezes outros imperativos mais importantes estão em jogo, seja a higiene, os ditames geo-estratégicos ou, é claro, os interesses económicos, que tornam países como a China, onde os mais básicos valores humanos são desrespeitados, parceiros apaparicados pelos ditos civilizacionalmente superiores países europeus. Um grande passo para as conquistas do ego humano, porque hoje em dia quem massacra inocentes é deixado em paz, a tratar dos seus assuntos.Os americanos fizeram-no no Afeganistão e no Iraque, os israelitas fazem-nos há décadas, os sírios estão claramente a tornar-se experts no tema e os ucranianos começaram a treinar com animais métodos de extermínio em massa. A impassividade de todos face às imagens que de vez em quando – mas cada vez mais de vez em quando – aparecem nos media, ou face às denúncias das organizações não-governamentais, é sinal de que avançámos de uma visão redutora do mundo, com bons e maus, para uma capacidade de análise mais profunda dos diversos substratos da realidade humana. Matar é relativo. Violar é relativo. Passar fome é relativo. Torturar animais é mesmo aceitável. Umas vezes, sim senhora, justifica-se fazer barulho até porque há ali uns poços de petróleo muito interessantes em que dava jeito meter a mão, outras tem-se consciência que tudo é um mal menor. A consciência humana afoga-se em justificações e adormece, impulsionada pelo império da imagem, que retira valor a imagens de crianças mortas e corpos desmembrados. Liberto o espírito da influência nefasta dos sentimentos e das emoções que a violência quando expressa em imagens poderia gerar (campo da subjectividade pura), abre-se caminho ao puro cálculo de interesses e análise das conjecturas e conjunturas e prova-se assim que estamos sempre a evoluir, provavelmente rumo à nosso auto-destruição, mais isso serão, afinal, apenas danos colaterais quando outros valores mais altos se alevantam. No final de contas, o que interessa mesmo é que Portugal ganhe o Euro.

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