Parece que agora o que está
na moda é mesmo andar a matar tudo o que mexe: mulheres e crianças e cães e
gatos estão no top de tendências desta primavera-verão. Os tipos do governo
sírio gostam particularmente de bombardear aldeias onde habitam civis, de
preferência com crianças pequenas (provavelmente porque assim poupam em
armamento), e os ucranianos acharam que era mais positivo para um grande evento
como o Campeonato Europeu de Futebol liquidar milhares de animais. Ambos o fizeram por motivos higiénicos: uns porque aqueles seres
humanos eram na verdade – ou poderiam vir a ser um dia, quem sabe, e governo
prevenido vale por dois ou três - perigosos rebeldes, os outros porque podia
haver raiva e outras doenças nos duzentos mil animais atirados para valas
comuns e era uma chatice se uns ingleses bêbados depois andassem a dizer que
foram atacados por uma matilha de cães em fúria no paraíso ucraniano e ainda por cima ficava feio e um bocado cagado e por isso bora lá, ainda por cima se são bichos, não estamos a violar nenhuma lei (valeu a
este povo a experiência adquirida em anos de regime
comunista para tratar com eficácia do problema dos animais e atirá-los ainda a respirar para fossas onde eram enterrados vivos). A comunidade
internacional parece cada vez mais apoiar, com a sua inação (que é neste
momento é a mais extrema forma de ação, veja-se Passos e o caso Relvas), estas
medidas de higiene radical. Prova do salto qualitativo da consciência humana
através do tempo: antes, quando um tipo com um bigode ridículo decidia bombardear cidades inteiras para conquistar o mundo, recebia logo o rótulo de ‘mau’.
Hoje, o ‘mau’ está fora de moda, é redutor e maniqueísta, não tem em conta os
diversos factores que contextualizam uma acção e não leva em ponderação que
muitas vezes outros imperativos mais importantes estão em jogo, seja a higiene,
os ditames geo-estratégicos ou, é claro, os interesses económicos, que tornam
países como a China, onde os mais básicos valores humanos são desrespeitados,
parceiros apaparicados pelos ditos civilizacionalmente superiores países europeus.
Um grande passo para as conquistas do ego humano, porque hoje em dia quem massacra
inocentes é deixado em paz, a tratar dos seus assuntos.Os americanos fizeram-no
no Afeganistão e no Iraque, os israelitas fazem-nos há décadas, os sírios estão
claramente a tornar-se experts no tema e os ucranianos começaram a treinar
com animais métodos de extermínio em massa. A impassividade de todos face às imagens que de vez em quando –
mas cada vez mais de vez em quando – aparecem nos media, ou face às denúncias
das organizações não-governamentais, é sinal de que avançámos de uma visão
redutora do mundo, com bons e maus, para uma capacidade de análise mais
profunda dos diversos substratos da realidade humana. Matar é relativo. Violar
é relativo. Passar fome é relativo. Torturar animais é mesmo aceitável. Umas vezes, sim senhora, justifica-se fazer
barulho até porque há ali uns poços de petróleo muito interessantes em que dava
jeito meter a mão, outras tem-se consciência que tudo é um mal menor. A
consciência humana afoga-se em justificações e adormece, impulsionada pelo
império da imagem, que retira valor a imagens de crianças mortas e corpos
desmembrados. Liberto o espírito da influência nefasta dos sentimentos e das
emoções que a violência quando expressa em imagens poderia gerar (campo da
subjectividade pura), abre-se caminho ao puro cálculo de interesses e análise
das conjecturas e conjunturas e prova-se assim que estamos sempre a evoluir, provavelmente rumo à nosso auto-destruição, mais isso serão, afinal, apenas danos
colaterais quando outros valores mais altos se alevantam. No final de contas, o
que interessa mesmo é que Portugal ganhe o Euro.
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