sábado, 12 de novembro de 2011

As irmãs não são com as cerejas


Diz a sabedoria popular que a seguir a uma cereja vem inevitavelmente mais uma. Quando se somam mais do que duas décadas de vida, dá para perceber que isso também se aplica à dinâmica de certas amizades – nem todas-: há aquelas que se consomem num determinado período do tempo e depois se desvanecem sem dor, mas  a vida faz o seu trabalhinho e, a não ser que sejamos impossíveis de aturar por qualquer ser humano, apresenta-nos sempre alguém novo com potencial de amigo. Ora, com as irmãs não se aplica a mesma lógica. As irmãs são insubstituíveis. Quando por algum motivo não estão disponíveis, nem o mais maravilhoso dos amigos lhe pode ocupar o espaço. Não há possibilidade de ir às compras da mesma maneira com outra companhia, porque a nossa irmã é a única capaz de entrar numa loja e, caso lhe dissessem 'escolhe como se fosses comprar para a tua irmã' não falhava uma só peça. Os amigos dão-se por natureza bem, se não se dessem não se aturavam e ia cada um à sua vida. As irmãos podem ter fases de cão e de gato, mas, depois de uma sessão de mordidelas e arranhões, em que se grita, se chora e se critica, e se magoa também, porque só as irmãs sabem mesmo onde dói, depois de tudo isso, o universo permanece o mesmo,  nada mexe, nenhum sentimento é beliscado, nem a confiança abalada porque sabem que faz parte, que não são iguais, mas que a natureza da sua relação está para além de afinidades, mas radica no mais irracional dos afectos. Os amigos partilham connosco vivências de escola, de universidade, de trabalho, da noite. As irmãs partilham o estalo que levaram do pai naquele dia em que não quiseram comer a fruta, o choro nocturno da mãe depois de uma discussão, a perda do cão, as histórias do avô e o arroz doce da avó, o som do papel a ser rasgado nas manhãs de Natal, os livros dos cinco, dos sete e da Patrícia e do Patinhas e da Mafaldinha. Não há fases. Há a infância, o período de todas as perdas, encantamentos, fins do mundo e renascimentos, dos não ditos e das noites com  medo e das manhãs radiosas, das verdades que não se partilham: vivem-se, quantas vezes em silêncio.
Na distância da irmã, faz-se por não pensar na distância. Mas essa distancia está cá, como um buraco bem no coração. Impossível de preencher porque é só da irmã. Propriedade reservada com direito de admissão. E falando nisso, a minha irmã tem uma moradia inteira só por conta dela.

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