quarta-feira, 16 de novembro de 2011

E amanhã como vai ser?

Há mesa de jantar, alguém diz 'é impossível imaginar o big bang'. O primeiro segunda do cosmos. Da mesma maneira como é impossível imaginar estar morto. Todos concordámos. Mesmo assim, decidi dar-me uma oportunidade de transcender os limites humanos. E eis que estou deitada na cama. É manhã e desperto  devagar, o meu cérebro antes do meu corpo. Não abro os olhos. Estou entre lá e cá. Lembro-me nesse exacto instante que tenho trinta e quase muitos anos. Que me sobram mais uns tantos de vida, pouco mais do dobro do que vivi até agora. Que o tempo está contado. Que vou morrer. Nada. Com um grande ponto de final no fim. Tento imaginar como será não ser. A ideia é intolerável. Não me consigo sequer mexer. Sei que sou EU ali, a ter o conhecimento brutal da minha morte desde que me lembro de ser. Será que os meus gatos também gozam do infortúnio de saberem, no momento em que abrem os olhos, que têm os dias contados?
A cena dura breves minutos, mas, ao mesmo tempo, é eterna. Vai perseguir-me até ao suspiro final. Continuo deitada. Quem me observar, pensa que ainda durmo. O meu cérebro está activo. Tenta racionalizar o irracionável. Conter em qualquer tipo de lógica o paradoxo último. Por que raio temos consciência da própria finitude? A ironia cruel do universo biológico rouba-me o ar, quando na garganta se afoga um grito. O meu coração, os meus intestinos, a minha voz, o meu fígado, o meu estômago, o meu útero estão a ser dilacerados por essa dor que vêm da total incompreensão da Natureza nos ter fabricado assim. Com um EU.
Tento imaginar o exacto instante da minha morte. Fecho os olhos (uma parvoíce, afinal morremos de olhos abertos). Caio de supetão no cenário do Espaço 1999. Vejo o universo inteiro. Pontos brilhantes e longínquos, acho que são estrelas. Parva, isso não é a morte. Tens de ir mais longe. Um pouco mais além. Um pouco mais de negro. Um pouco mais de silêncio. Até não restar nada. Tu não estás lá, não é o mesmo que um qualquer astronauta perdido no espaço sideral. Tu não respiras. Tu estás morta. Tu ESTÁS MORTA…
Mergulho no buraco negro. O meu coração perde o controlo dos seus batimentos. O ar falta-me mais e mais e mais, há medida que deixo de ser. De tal forma que desisto. Escolho a vida transitória ao desespero inglório de querer saber. Abro os olhos. Tenho de respirar. Já! A tortura de morrer e de perder a consciência de mim é demasiado intolerável. Demasiado opressiva. Demasiado vazia. Demasiado inconcebível.
Tento desviar a minha atenção da angústia. Pensar sobre ela. Se nascemos assim, com consciência total e absoluta do fim, como conseguimos dizer-nos felizes? O que fazemos da memória da morte? Quer dizer, é um disparate acreditar que algum ser um humano se esqueceu realmente de que ia morrer. Conseguimos anestesiarmo-nos. Preenchemos os dias, um a seguir ao outro, não pares, não penses, não digas. Mas a morte está lá. Com uma mão dá-nos um puxão na perna que nos faz perder o equilíbrio. Com a outra mão, entra no nosso peito e aperta, aperta o coração.
Penso nos budistas. No que eles dizem sobre o assunto. “Nascer é, em si, um passo para a morte” Não me serve de grande consolo, mas vou pensar que o dia vai chegar em que consiga ser mais filosoficamente optimista sobre o tema.

1 comentário:

  1. Podemos sempre não lembrar ate pq

    "Existem mais coisas entre o céu e a terra...

    Ora ve o que busquei para ti:

    http://casagostinhodasilva.blogspot.com/2011/11/origens.html

    e tb

    Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
    Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
    A ave passa e esquece, e assim deve ser.
    O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
    Mostra que já esteve, o que não serve para nada

    A recordação é uma traição à Natureza,
    Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
    O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

    Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!


    beijos grdsss

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