quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Importa-se que arrote?

A pergunta não seria bem compreendida, claro está.  O arroto é um acto normal do nosso corpo, ditado pela natureza, de simples libertação -  por cima, ao invés do peido, que é por baixo -, dos gases que temos acumulados no estômago, mas que foi escorraçado pela civilização ocidental, que o condena e converte em apanágio dos porcos e dos mal educados que para aí andam. Excepção: um bebé,  que não só pode arrotar à fartazana, como se lhe pede que assim seja. Já arrotou o bebé?  Há lá pergunta mais socialmente aceite do que esta? Só talvez aquela que infere - coisa prodigiosa- se arrota bem a criança.  Sim, diz a mãe a alto e a bom som. Ou pensam que o meu bebé é menos do que os outros? Excelente, é a resposta, e o bebé em questão marca pontos dentro da bendita normalidade. Ora arrote aí senhor pai ou senhora mãe e veja como elas mordem.  É como o cocó, tema de conversa recorrente entre as mães dos petizes, em lugares públicos e alguns mais finos, mas comente, se tiver coragem, com as colegas de trabalho, que fez cocó assim mais para o esverdeado - fez você,  não o bebé -  e veja os esgares de horror. Pessoalmente,  confesso-me uma escrava das normas da civilização ocidental no que se refere a estas duas funções biológicas,  mas sou a primeira a afirmar que a dita civilização é um poço de convenções,   muitas delas paradoxais, mas que moldam de tal forma o nosso cérebro que as tomamos como verdades absolutas. Ou seja, é como no que se refere à política: tomamos de tal forma como verdade o que uns senhores engravatados e com cara de mal fodidos nos atiram pelos olhos dentro, que nem percebemos a perversão de um discurso que nos faz acreditar cegamente que este é o único sistema, que a dívida só pode ser paga, que a união europeia é a unica possibilidade de um futuro risonho, que não há como escapar à troika,  que o liberalismo abjecto é o único meio de chegar a algum lado, que não se sabe muito bem qual é. O discurso torna-nos formigas, que rodam em redor de si próprias sem nunca olhar para o lado, apenas seguem a formiga que vai à frente. Mas, e  se esta se enganar no caminho? Olhar com nojo para um tipo que arrota à mesa é uma coisa, hipotecar a vida de milhões de pessoas a uma crença é outra. Só por isso, vou ali soltar um arroto e volto já.

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