Adoro as
reportagens que rádios e televisões fazem em dias de greve. Enviam os
jornalistas às cinco da manhã para hospitais, centro de saúde perdidos no meio
da serra, estações de metro e de comboio e de barcos, para ‘sentir o pulso’ ao
sentimento geral da nação. O pulso está em taquicardia, claro, à beira de um
ataque de nervos porque as pessoas estão incomodadas nas suas vidinhas,
imagine-se só! E as pessoas queixam-se e queixam-se e gritam aos ouvidos dos jornalistas.
Acham ‘ aquilo’ uma pouca vergonha. Uma chatice. Um aborrecimento. Imoral.
Devia ser proibido, como dizia uma senhora. Da minha parte, só gostava de
compreender uma coisa: a greve como protesto legítimo do Estado democrático é
suposto chatear, não é? Se não, qual era a apoquentação? O peso negocial? No
caso dos médicos, até era fixe para o Estado, que não tinha de lhes pagar
salário nesse dia. Mas as pessoas andam tão gloriosamente centradas nos seus
próprios umbigos que só se podem tornar imbecis em momentos assim, em que as
aborrecem. Claro que a greve causa atritos na ordem das coisas: não há
consultas, não há transportes. Mas aquelas pessoas estão a exercer um direito
de protesto que lhes assiste numa democracia. Pelo menos, não estão de braços
cruzados como 99% da população, que perde o seu tempo a pensar ‘no que eu tive
de andar para chegar aqui, no tempo que eu perdi, no incómodo que me deu’. Da
minha parte sinto-me com vontade de dizer depois não se queixem das vossas vidas
de merda. Se estão presos no imobilismo do ‘mim’, das vossas exclusivas
preocupações, e do medo, agora aguentem lá com as greves dos outros que é bem
feito.
E se as pessoas não se queixam espontâneamente, o jornalista, com o micro como saca-rolhas, extrai cuidadosamente todo o relato do incómodo que pode...
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